Carta a um irmão em dúvida

24 de julho de 2022

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Caro irmão,

compreendo suas dúvidas sobre a utilidade da oração, mas elas podem ser facilmente resolvidas se estudarmos esse assunto à luz das Escrituras. Vamos lá.

            Pelo que eu entendi, você pensa que uma oração feita com fé pode conquistar qualquer coisa, especialmente em relação àqueles que estão com alguma enfermidade. Isso é verdade, desde que o pedido feito nessa oração vá de encontro à vontade de Deus.

            A fé do homem não pode “forçar” Deus a fazer o que Ele não quer, por duas simples razões. A primeira delas é que essa fé, que eu e você temos, vem do próprio Deus. É Ele quem nos concede pouca ou muita fé, de acordo com a Sua vontade (Rm 12.3). Em segundo lugar, a Bíblia deixa claro que Deus “faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade”, e não da “nossa” vontade (Ef 1.11).

            Vou ilustrar o que estou dizendo com alguns textos bíblicos:

            Moisés é apontado no Novo Testamento como um homem de fé (Hb 11.23-29). Esse “homem de fé” implorou a Deus para entrar na Terra Prometida e não foi atendido (Dt 3.23-27 cf. Dt 34.1-5).

            Davi certamente foi um homem de fé, pois seu nome também é citado na “galeria da fé” de Hebreus 11 (veja os vs. 32-34). No entanto, esse mesmo Davi orou e jejuou a Deus pedindo a cura de um dos seus filhos, o qual estava gravemente doente. Sabe o que aconteceu? O menino morreu (2 Sm 12.15-23).

            Você tem alguma dúvida de que Paulo era um homem de fé? Tem alguma dúvida de que as orações desse apóstolo eram feitas com fé? No entanto, ele mesmo diz que sofreu de uma enfermidade física (Gl 4.13, 14). Diz também que seu amigo Timóteo tinha de tomar um pouco de vinho por causa de problemas estomacais e enfermidades frequentes (1 Tm 5.23). Será que Paulo não orava pela cura de seu amigo? Claro que sim. Então, por que Deus não curava Timóteo? Porque essa não era a Sua vontade. Paulo diz ainda que pediu a Deus três vezes para que lhe fosse tirado o famoso “espinho na carne”. Porém, o pedido do apóstolo não foi atendido, pois Deus tinha um propósito na permanência daquele espinho (2 Co 12.7-10).

            Eu poderia citar vários outros textos como esses. O que eu quero mostrar com esses exemplos é que toda oração depende da vontade de Deus para ser atendida, não importa quanta fé exista nessa oração. Lembre-se das palavras do apóstolo João, em 1 Jo 5.14: “E esta é a confiança que temos para com ele: que, se pedirmos alguma coisa, segundo a sua vontade, ele nos ouve”. Todos os outros textos bíblicos que falam sobre oração devem ser lidos à luz desse princípio estabelecido pelo apóstolo.

            Você citou o texto de Isaías 53.4 (“Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si…”) como se fosse uma prova para seus argumentos, mas confesso que não entendi o uso que você quis fazer desse texto. O profeta Isaías está descrevendo o ministério público de Jesus nesse versículo, e sabemos que essas coisas se cumpriram durante esse ministério (Mt 8.16, 17), mas isso não significa que todos os crentes estão livres de enfermidades nos dias de hoje. Só estaremos livres de todos os tipos de doenças quando recebermos novos corpos, corpos glorificados que serão imunes a elas (1 Co 15.42, 43). De fato, enquanto estivermos vivendo neste mundo, estaremos sujeitos a problemas comuns a todos os seres humanos, como falta de dinheiro, doenças e morte física. Lembre-se das palavras de Jesus: “No mundo, passais por aflições…” (Jo 16.33). Enquanto vivermos neste mundo, uns serão curados, outros não, mas sempre de acordo com a vontade e o propósito soberano do nosso Deus.

            Além disso, você deve atentar para o fato de que mesmo durante o Seu ministério terreno, Jesus curou muitas pessoas, mas não curou todas. Um exemplo claro disso pode ser visto em João 5.1-9. Vemos, nesse trecho, que Jesus foi a um lugar onde havia “uma multidão de enfermos, cegos, coxos e paralíticos” (v. 3) e, no entanto, Cristo ofereceu a cura a apenas um homem (vs. 5, 6). Por que não curou toda a multidão? É como eu disse acima: “Enquanto vivermos neste mundo, uns serão curados, outros não, mas sempre de acordo com a vontade e o propósito soberano do nosso Deus”.

            Você poderia me perguntar: “Para que eu peço, então, se Deus sempre faz a Sua vontade?” Ora, mostre-me apenas um exemplo onde a coisa funciona diferente. Sempre que pedimos algo a uma pessoa, tal pessoa responde segundo a vontade dela, não segundo a nossa. Se eu te pedisse um dinheiro emprestado, você me responderia de acordo com a tua vontade e disposição, não de acordo com a minha. Se você tivesse obrigação de responder segundo a minha vontade, então já não seria um pedido meu, mas uma ordem. Entendeu?

            Para concluir, repito o que já disse anteriormente: os textos da Bíblia que falam sobre oração, sem exceção, devem considerar este grande ensino bíblico: TODA oração depende da vontade de Deus para ser atendida, não importa quanta fé exista nessa oração, e Ele sempre responde segundo a vontade dEle, não segundo a nossa vontade (1 Jo 5.14; Ef 1.11).

            Por isso, é a vontade de Deus que temos de buscar em nossas orações, e não a nossa, visto que a vontade dEle é boa, agradável e perfeita (Rm 12.2). A nossa vontade, porém, é geralmente egoísta ou individualista, normalmente agradável às coisas da carne e não às coisas do espírito, e sobremodo imperfeita.

            Jesus priorizou a vontade de Deus. Mesmo quando pedia ao Pai para afastar o cálice do sofrimento, também insistia em dizer: “Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres” (Mt 26.39). Por isso também é que o nosso Senhor nos ensinou a incluir as seguintes palavras à oração do Pai Nosso: “Faça-se a TUA vontade, assim na terra como no céu” (Mt 6.10).

Espero tê-lo ajudado a entender esse assunto.

Um grande abraço,

Presbítero Kleber Cavalcante

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