Nos alimentando de Cristo
28 de agosto de 2022

“Pois a minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida.”
João 6.55
Quem já não teve dificuldade em entender essas palavras de Jesus? Como assim, comer a sua carne e beber o seu sangue? Se olharmos para essas palavras apenas com uma visão física e material, também teremos a mente contorcida e o estômago revirado, assim como os judeus que o ouviram (Jo 6.52). Mas, se lembrarmos que estamos tratando de Jesus, o Filho de Deus, nos conforta saber que há muito mais em suas palavras. Afinal, Ele veio para nos transmitir nova vida, na alma. O que, claro, se reflete em todo nosso ser.
Para tentar facilitar um pouco mais sobre como nos alimentar de Cristo, precisamos relembrar que Deus tem uma só revelação na Escritura Sagrada. Do Gênesis ao Apocalipse é uma só história – a História da Redenção. A história de como homens e mulheres mortos em seus delitos e pecados podem viver de novo e de verdade. Se entendemos e cremos que Deus é o criador de tudo, inclusive da humanidade, veremos que ela se inicia com Adão e Eva, criados perfeitos, mas contaminados pelo pecado quando desobedeceram (Gn 3.11), e, a partir de então, se tornaram carentes de um sacrifício de sangue, para comparecerem perante Deus novamente.
Agora pense, os judeus entendiam a ordenança divina de que o sangue de um cordeiro perfeito e sem manchas, derramado em sacrifício, purificava os pecados do ofertante, para que ele pudesse comparecer e se tornar aceitável perante Deus. Ou seja, o sangue daquele animal “o representava” morrendo em seu lugar. O sangue representava a sua alma. Eles conseguiam entender bem esse simbolismo. Veja Levítico 17.11: “Porque a vida da carne está no sangue. Eu vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pela vossa alma, porquanto é o sangue que fará expiação em virtude da vida”. E também Hebreus 9.22c “[..] e, sem derramamento de sangue, não há remissão”. Imagine quantas ovelhas foram sacrificadas no lugar de tantos pecados e pecadores.
Sim, Deus estabeleceu que “a vida estava no sangue”. Onde há pecado tem que haver morte. Portanto, no sangue derramado em sacrifício estava a salvação da ira de Deus. É claro que a ovelha não tinha pecado, e não havia uma “transferência física” do pecado do homem (Lv 4.27-29) ou do povo (Lv 4.13-15) para a ovelha. Mas Deus validou aquela cerimônia como um ato simbólico do perdão e da redenção. O sangue da ovelha derramado redime a alma do homem pecador.
Mas, eles perderam a conectividade quanto à promessa da revelação progressiva de Deus. A promessa de que chegaria a hora em que as ovelhas deixariam de morrer no lugar do homem, pois “um homem perfeito” morreria no lugar do homem pecador e seu sangue é que seria derramado, trazendo salvação definitiva à sua alma. Isso foi profetizado com clareza pelo profeta Isaías sobre o Messias: “Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; […]. 6. […], mas o SENHOR fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos. 7. […]; como cordeiro foi levado ao matadouro; e, como ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a boca” (Is 53.5-7).
Quando Jesus se manifesta, o simbolismo das ovelhas estava chegando ao fim. A realidade para a qual apontavam estava chegando. O derradeiro sacrifício seria feito. Por isso, no sangue de Jesus, há redenção e perdão para todo aquele que nEle crer. E somos livres da ira de Deus. Assim como eles não bebiam o sangue da ovelha ou comiam sua carne para receber perdão, também não seria necessário comer a carne e beber o sangue humano de Jesus. Era preciso, assim como “se viam morrer” naquela ovelhinha devido aos seus pecados, que “se vissem morrendo” também em Cristo, como punição e expiação dos seus pecados. Por que Ele é “[…] o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29).
Assim como temos uma participação simbólica e direta no pecado de Adão (Rm 5.12; Sl 51.5), assim como, historicamente, o povo de Deus era cerimonial e simbolicamente redimido pelo sangue de animais em sacrifício (Hb 9.13-14; 10.4), todos os que creem em Jesus são, eficazmente, justificados por Sua morte e pelo derramar do Seu sangue. Se alguém disser “nada tenho a ver com Adão”, então, também não encontrará auxílio em Jesus Cristo, pois Ele veio para redimir os filhos de Adão – “Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo” (1Co 15.22).
Todo esse simbolismo, representatividade e substituição nos ajudam a compreender o “comer” a que Jesus se refere. Ele inauguraria uma nova aliança, feita em Seu sangue. E ordenaria uma graciosa lembrança desse derradeiro sacrifício – A Ceia (Mt 26.-26-28). Doravante, todo aquele que nEle crer, como sendo Quem o salvou da morte morrendo em seu lugar, é convidado a se apropriar da aliança da redenção, se alimentando dos elementos que Ele mesmo definiu como símbolos e memória do Seu sacrifício: o pão e o vinho. Por isso, a Escritura ensina que o elemento pão representa seu corpo e o cálice seu sangue; e que “[…], todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.” (1Co 11.26).
O sacramento do Batismo é o símbolo do começo de uma nova vida para todos os que morreram para uma vida dominada pelo pecado, e o sacramento da Ceia é o símbolo da permanência nessa nova vida que só é possível em Jesus Cristo, como Ele mesmo afirma: “Quem comer a minha carne e beber o meu sangue permanece em mim, e eu, nele.” (Jo 6.56). É alma restaurada. É alma alimentada. E que se reflete numa vida transformada (corpo e alma).
Que geração privilegiada a nossa! Eu e você temos esse esclarecimento pelo ensino da Escritura. Não se trata de canibalismo, mas de um profundo e real simbolismo. Os judeus que ouviram aquele discurso de Jesus pouco entenderam (Jo 6.52). Somente os chamados a crer nEle (Jo 6.44) permaneceram com Ele até entender. Agora já sabemos que quem já morreu em Cristo pode, em sua nova vida, se alimentar dEle, real e espiritualmente, através do sacramento, mas também, diariamente, através da Sua Palavra que é mais do que meras letras num livro; como Ele mesmo declarou “[…]; as palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida.” (Jo 6.63b).
Portanto, um bom apetite e alimente sua alma!
Reverendo Edilson Martins
Pastor auxiliar na Igreja Presbiteriana Águas Vivas (IPAV)