Vamos pensar sobre a morte: por que não?
17 de maio de 2020
E havendo lançado fora o homem, pôs querubins ao oriente do jardim do Éden, e uma espada inflamada que andava ao redor, para guardar o caminho da árvore da vida.
(Gênesis 3:24)
Em tempos que transtornam drasticamente a nossa rotina de vida, como este que estamos atravessando, perturbados por um inimigo comum, alcunhado de Covid-19, invisível, assassino, inclemente e que não faz acepção de pessoas, ainda que tenha o seu grupo humano preferido – até o momento, já assassinou globalmente cerca de 300 mil pessoas, além de ter confinado a atroz sofrimento por seus sintomas outras 4,4 milhões –, é extremamente propício refletirmos sobre aquele tema que passamos uma boa parte da vida tentando ignorar a sua inevitável e imperturbável existência, a saber: “a MORTE”. Aliás, é bom que se diga, sigo aqui fielmente o conselho do nosso amado reverendo Hernandes Dias trazido à baila em um devocional veiculado no Youtube, o qual ele sugere, dentre os temas ali anunciados para ocupar a nossa mente, de forma devocional, nesse período de isolamento social, justamente este que iremos nos ocupar a partir de agora, a morte.
Assim, acolhendo a oportuna sugestão do estimado pastor, antecipo que, neste diminuto espaço, só iremos arranhar a superfície desse “incômodo” assunto (louvado seja o Senhor!). Para isso, inicio essa conversa compartilhando uma constatação desalentadora do teólogo anglicano inglês, J. I. Packer, cujos livros publicados em nosso país são amplamente admirados na seara reformada brasileira, que nos revela: “Iniciar uma discussão sobre isso (a Morte), mesmo nas igrejas, parece ser indecoroso. Tornou-se convencional pensar como se todos nós fôssemos viver neste mundo para sempre e olhar cada caso de perda como uma razão para duvidar da bondade de Deus”.1 Bastante provocativo! Temos muito que pensar e superar.
Pois bem, meus queridos, irmãos e irmãs em Cristo Jesus, permita-me ousadamente, já de supetão, desafiá-los, perguntando-lhes: Vocês são aderentes àquela atitude, quase mecânica, de bater na madeira quando o assunto é a morte? Pensando na referida declaração de J.I. Packer, será que o nosso aludido teólogo é certeiro ao dizer que entre nós, servos do Altíssimo, a temática da morte é vista de forma indecorosa e ainda põe em suspeita a bondade de Deus? Você, que se diz cristão fiel, tem medo da morte? A propósito dessas indagações, queridos, deixo-as para meditação, pois a minha intenção aqui não é de acusação, e sim de promover uma boa e sadia problematização, no sentido de contribuir para, ainda que minimamente, enfrentarmos juntos, capitaneados pelo Espírito Santo, esse tabu que paira sobre essa complexa e angustiante questão respeitante à finitude da vida neste mundo, particularmente entre nós servos do Filho de Deus, O qual nos legou essa maravilhosa e reconfortante promessa: “… Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá. Crês tu isto? (João 11.25,26)”. Após convencido pelo Santo Espírito dessa consoladora “certeza”, ainda persistirá alguma dúvida acerca da bondade de Deus?
Seguindo adiante, transcrevo à frente o que li certa vez em um artigo2 relacionado ao tema em lide: “a incerteza (sobre a morte) sempre tomou conta do ser humano, pois ele é o único ser vivo que sabe que um dia vai morrer. Essa consciência, se não for abafada, provoca-lhe geralmente ansiedade e angústia, o que tem alimentado na maioria das pessoas algum tipo de sentimento religioso ou de espiritualidade. A morte não é, no entanto, um fenômeno individual, mas também social. Por isso, os grupos humanos desenvolvem rituais de sepultamento, até como uma forma de defesa emocional diante da morte e do morrer, que, por outro lado, também provoca um relativo estado de inconsciência na vida cotidiana”. De fato, no âmbito da criação, somos a única criatura que carrega o pesado fardo da consciência da morte.
Por outro lado, é fato também inegável para nós, filhos de Deus, que essa consciência, castigada pela convicção aterradora no tocante à condição transitória desta vida, ou por qualquer outra limitação aflitiva que seja, só achará verdadeiro repouso quando estiver em paz com o Senhor, mediante o reconhecimento do sacrifício vicário do Senhor Jesus ocorrido no rude madeiro. Por conta disso, entendo a calmaria que inunda a alma ao ler Agostinho de Hipona, teólogo e filósofo cristão que viveu entre os séculos IV e V, nesta particular passagem consignada na sua obra “Confissões”: “Grande és tu, Senhor, e sumamente louvável; grande é a sua força, a tua sabedoria não tem limites! Ora, o homem, esta parcela da criação, quer te louvar, este mesmo homem carregado com sua condição mortal, carregado com o testemunho do seu pecado e como o testemunho de que resistes aos soberbos. Ainda assim, quer louvar-te o homem, esta a parcela de tua criação! Tu próprio o incitas para que sinta prazer em louvar-te. Fizeste-nos para ti e inquieto está nosso coração, enquanto não repousa em ti”. A meditação séria nessas palavras em particular e, acima de tudo, nas Santas Escrituras, conduz-nos, gradativamente, da desconfortável sensação de medo gélido para a uma desassustada postura de respeito à morte. Com efeito, como traz paz ao nosso coração essas palavras do escritor da Carta aos Hebreus, quando registra: “Portanto, visto que os filhos são pessoas de carne e sangue, ele também participou dessa condição humana, para que, por sua morte, derrotasse aquele que tem o poder da morte, isto é, o Diabo, e libertasse aqueles que durante toda a vida estiveram escravizados pelo medo da morte”. Que inefável consolo! Libertos definitivamente do cativeiro do medo da morte, já pensou nisso? E, assim, à medida que este indesejável receio de morte vai se esvaindo de nossa alma, cabe a nós, num tímido ensaio de gratidão ao Senhor, fazer com que jamais se cale a interrogação do salmista: Que darei eu ao Senhor, por todos os benefícios que me tem feito? (Salmos 116:12)”.
Queridos, já caminhando para o fim desta reflexão, gostaria ainda de aguçar a sua imaginação com a seguinte proposição, todavia, caso já tenham pensado sobre isso, resta-me convidá-los para mais uma agradável repetição. Então, vamos lá? “Imagine se o primeiro casal criado por Deus, Adão e Eva, após ter falhado no teste probativo do seu Criador e ser expulso do Paraíso, tivesse, no estado de pecado (depravação total), comido da árvore da vida: Quais seriam, pois, as consequências decorrentes, para eles e os seus descendentes (nós, por exemplo)?” Pois é, mais uma vez, deixo esse exercício imaginativo para que você tire as suas próprias conclusões. Particularmente, depois de pensar muito sobre essa proposição, o meu desejo foi de glorificar e intensificar essa glorificação ao nosso Deus por ter posto, sábia e misericordiosamente, aquele anjo no caminho de acesso à “Árvore da Vida” (conforme Gênesis, capítulo 3 versículo 24, em epígrafe) e, por conseguinte, ter providenciado o seu Cordeiro que tira o pecado do mundo, o nosso Senhor e Salvador JESUS CRISTO. Agora, sim, vale à pena enfrentar ou falar sobre, com destemor e deferência, esse último inimigo de nossas vidas.
Finalizo, meus amados, confidenciando com toda sinceridade que, sendo homem do pós-queda, entendo a MORTE como uma BENÇÃO de Deus para nós. Assim como, com nítida clareza, compreendo que a morte do Senhor Jesus Cristo, embora terrível em sua execução, foi a coisa mais DOCE que o Céu já nos presenteou e, por consequência, a sua RESSURREIÇÃO é a inabalável certeza de que o nosso Deus “não é Deus dos mortos, mas sim de vivos, pois para ele todos vivem” (Lucas 20.38, BKJ).
No mais, a Covid-19, de fato, mata e continuará o seu percurso de morte (cuide-se!), mas somente sob a soberana vontade do nosso Deus; e NÓS, servos do “Cordeiro de Deus”, se morrermos vitimados por ela, saibamos que viveremos e continuaremos a viver por toda a eternidade. Afinal, esse convite já foi feito muito bem antes dessa pandemia chegar a este mundo, qual seja:
“Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que foi preparado para vocês desde a criação do mundo”. (Mt 25.34).
Por que não falar da morte!?
É indecoroso? Anula a bondade de Deus?
SOLI DEO GLORIA
Presbítero Carlos Amoras
Sugestão de leituras para aprofundamento do tema:
1) “Antes de Partir: Encarando a Morte com Confiança Corajosa em Deus”. Nancy Guthrie. Editora Fiel
2) “Morte”. Eberhard Jüngel. Editoras Sinodal/EST.
3) “O homem diante da morte”. Phillippe Ariès. Editora Unesp.
4) “Sobre a morte e o morrer”. Elisabeth KüblerRoss e Paulo Menzes. Editora WMF Martins Fontes.
1) Citação de J. I. Packer, excerto do livro: “Antes de Partir: Encarando a Morte com Confiança Corajosa em Deus”. Nancy Guthrie. Editora Fiel.
2) Exceto do artigo citado: “Protestantes brasileiros diante da morte e do luto: observações sobre rituais mortuários” – de Leonildo Silveira Campos.
“http://dx.doi.org/10.21724/rever.v16i3.31185”
A Bíblia é um livro escrito para esperanaça e perspectiva dos servos de Deus. Por isso, nos ensina que, de fato, a morte é uma promoção para os que crêem em Cristo. Já nos afirma o texto de Eclesiástes 7.1 que “… melhor é o dia da morte do que o dia do nascimento de alguém.”, pois fica para os vivos as fadigas e desapontamentos aqui, e os que morrem, de fato entram na verdadeira vida.
Brilhante! Um texto nitidamente escrito na companhia do Espírito Santo. Com a maestria peculiar ao estilo do autor, o texto trata o tema da morte sob a perspectiva de como ela deve ser entendida por todo cristão, e vai além. Ele explora de forma irretocável as raramente contempladas belezas das nuances contidas no ato de deixarmos, de forma definitiva, a vida material tal como a conhecemos, dentre elas, a de termos sempre em mente a perspectiva da certeza que nos é outorgada pela fé na obra do nosso Senhor salvador Jesus Cristo, lembrando-nos de que, pelo seu sacrifício vicário, nós, que para o mundo com Ele morremos, e nas provações, com Ele sofremos, também na morte física, assim como Ele e com Ele, ressuscitaremos para a glória eterna (2 Tm 2:11; 2 Co 3:18 e Rm 6:4-10), livres definitivamente da corrupção que nos foi imposta pela entrada do pecado no mundo, escravidão da qual somos libertos pela fé na obra completa de Jesus Cristo na cruz; cruz que, para nós que cremos, é morte que conduz para uma vida plena aqui, a preparação prefeita para a vida derradeira, na eternidade com o nosso infinito e perfeito Pai.
Fui especialmente tocada pelo Espírito Santo e edificada por cada frase desse texto que, ao abordar um assunto que por demais me agrada, ampliou o meu humilde conhecimento, expandindo os horizontes do meu entendimento acerca do tema. Glória a Deus! Evangelizemos!
Artigo oportuno para refletir sobre um tema quase vazio de reflexão. Óbvio que não é fácil tratar de um assunto como esse. A oportunidade atual é que quase obriga o enfrentamento dessa ameaça compulsória da ausência da vida. Muitos pensadores fizeram deste tema o objeto principal de duas reflexões. Sejam teólogos, filósofos, mitólogos, cientistas, religiosos de várias matizes, até mesmo agnósticos teístas, deístas e até ateus. Mas todos sempre buscando um caminho espiritual para aceitar o inevitável deste evento.
Parabéns pela oportuna e não usual reflexão.
A morte não é o fim, mas o início para quem crê!! Não nos sentimos preparados para a morte, por ter muitas vezes o coração no que não é eterno!